quarta-feira, 9 de março de 2011

O Alabardeiro de Conde de Sabugosa






O ALABARDEIRO


Se eu lhe fizesse a corte, ou se eu agora
Lhe quisesse dizer, minha Senhora,
Um dito, um galanteio,
Não lhe chamava pérola mimosa
Nem lhe faria versos cor de rosa,
Em namorado enleio;
Nem, tampouco, Senhora,
A comparava ao branco lírio,
Ao jasmim de Java,
Aos raios do luar,
Ou à flor virginal da laranjeira
Que, nas manhãs de Primavera, esteira
As ruas do pomar.
Não lhe exaltava os olhos orientais,
As delicadas mãos esculturais,
O malicioso pé,
Nem iria roubar cantos, belezas
Às sensuais , românticas marquesas
dos versos de Musset.
Repetia-lhe, apenas, neste instante,
O lisonjeiro dito, arqui-galante,
Do velho alabardeiro,
Que uma vez...
O melhor é começar...
Enfim, ouvido atento,
Eu vou contar a história por inteiro.
É no museu,
Avultam as brancuras
De formosas, antigas esculturas
Nos altos pedestais.
Chove do tecto a luz suave e morna
Que, num banho macio, lhes contorna
As formas geniais.
Deslumbram, nas extensas galerias,
As plásticas, reais anatomias
Da Grécia criadora.
Aqui vê-se, num êxtase adorável,
A beleza dogmática, imutável,
Da Vénus vencedora.
Veste-lhe as formas túmidas, redondas,
Caindo-lhe, rodoso, em largas ondas
O manto desprendido.
E nesse corpo musical, severo,
Brilha um poema helénico de Homero
Eternamente lido.
Além, uma Diana caçadora
A túnica arregaça, encantadora,
Num infantil meneio.
Adiante Baco ao peito de Sileno
E de Palas um vulto alvo e sereno
Com a égide no seio.
Olhando em volta a multidão divina,
Olímpica, marmórea, alabastrina,
A multidão pagã,
Parece-nos que, assim eternamente,
Aqueles deuses ouvem docemente
Um cântico de Pã.
Deixando a galeria, na saída,
Onde se une a escada bipartida
Num vasto patamar
Destaca-se, aprumado, um velho guarda
Empunhando, tranquilo, uma alabarda
Grande, demi-lunar.
Tem o soberbo aspecto
Das figuras da meia idade,
As velhas armaduras
Deviam-lhe servir.
Barba enovelada, a tez rugosa,
Uma indiferença altiva e desdenhosa,
Nostálgico sorrir.
Pois um dia, contaram-me, que vendo
Uma linda mulher que ia descendo
O velho estremeceu.
E, prendendo-a no largo peristilo:
- Não vos deixo sair Vénus de Milo,
Fugir deste museu.
Acaba aqui a história.
Se eu agora
Lhe quisesse dizer, minha Senhora,
Um dito lisonjeiro,
Repetirei apenas, neste instante,
Que lhe diria o mesmo que o galante
E velho alabardeiro.

Conde de Sabugosa

2 comentários:

  1. Olá minha querida. Lindo o poema e muito verdadeiro. O essencial está dito nas falas do velho alabardeiro. Gostei muito. Beijinhos da amiga, Arlete

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  2. Muito giro, o poema! A ironia dá-lhe frescura e torna-o tão actual como um poema que fosse escrito hoje. Ao alabardeiro também não faltavam fontes de inspiração!
    Muitos beijos
    Maria João

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