domingo, 30 de outubro de 2011

Terreiro do Paço (Lisboa)




Farrapinhos de algodão,
Sob um céu azul sem mancha.
Tarde suave de Outono,
No Tejo segue uma lancha...


Antigo Cais das Colunas,
Dos meus tempos de criança,
Junto a ti muito brinquei.
Como eu guardo na lembrança!


Um menino, eu recordo,
De seis anos, pouco mais,
Fugiu pra atracar o barco,
Prendendo a corda no cais.


A minha memória é fraca.
Grande é a minha saudade,
Do teu natural encanto,
"Ex-libris" desta cidade.


Ao domingo eras tão calmo.
Respirávamos a brisa,
Vinda do lado do rio.
Enleio de poetisa...


Ó meu Terreiro do Paço,
Praça linda de rever.
A imagem do teu passado,
Já me custa a descrever.


Agora és mais citadino,
Com as gentes a passar.
Não afastes as gaivotas,
Que vivem pra te enfeitar!

Maria da Fonseca



domingo, 23 de outubro de 2011

Redondilha Maior

foto de Adelina Palma

Se é redondilha maior?!
Eu não quero nem saber,
E se ainda for pecado
Não me vou arrepender.


Outra forma não vislumbro
Pra expressar meu pensamento,
Soletro, conto e reconto
E não acerto outro intento.


Assim me falta a coragem
Pra ensaiar nova cruzada,
Vivo a sonhar com sonetos
Com a rima burilada!


Para escrever o que sinto
Mais formas quisera usar.
Mas se me falta essa arte
Como é que a vou encontrar?


Estas minhas redondilhas
Nascem do meu coração,
Como lágrimas brotando
Ao raiar da emoção!

Maria da Fonseca

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Cantiga, Partindo-se de João Roiz de Castel-Branco




Cancioneiro geral de Garcia de Resende
(Sec. XV)

CANTIGA, PARTINDO-SE


Senhora, partem tão tristes
Meus olhos por vós, meu bem,
Que nunca tão tristes vistes
Outros nenhuns por ninguém.


Tão tristes, tão saudosos,
Tão doentes da partida,
Tão cansados, tão chorosos,
Da morte mais desejosos
Cem mil vezes que da vida;



Partem tão tristes os tristes,
Tão fora de esperar bem,
Que nunca tão tristes vistes
Outros nenhuns por ninguém.

João Roiz de Castel-Branco







terça-feira, 18 de outubro de 2011

O Pessegueiro



Tão linda a árvore, Amiga,
Que Deus ali fez brotar
Para que, quando eu passasse,
Pra ela pudesse olhar.


O Outono está magnífico.
E o pessegueiro que eu amo,
Nem calculas como o vi,
Um feitiço em cada ramo.


Desde o castanho ao vermelho,
Suas folhas matizadas
Guarnecem a bela copa,
Pelo Sol, iluminadas.


Caídas há pouco tempo,
Algumas brilham no chão.
E seus frutos de veludo
Sempre alguém encantarão.


Nada se move, acredita,
Nesta manhã deslumbrante.
A límpida transparência
Brinda todo o cambiante.


Foi num dia como este
Que o Deus Menino chegou.
Devota, a mãe Natureza
Pra O receber se enfeitou.

Maria da Fonseca 


quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Nasceu o Poema



 Faz-se a sílaba com letras,
Com sílabas, a palavra,
Com palavras, o poema,
Que eu amo e o poeta lavra.


Surge o verso devagar...
Assim roda a margarida,
De manhã até à tarde
P'lo Sol vivo, atraída.


Terna, a alma inspirou
O seu primeiro sentir,
Depois, é sobre o papel
A pena deixar seguir.


Breve raiará a estrofe
De versos apetecidos.
A rima será cuidada
Mesmo a eito aparecidos.


Atrás de uma, outra virá,
Promessa de bem querer,
A louvar todas as graças
Para não mais esquecer.


O poema fluirá
Enquanto ao toque da lira
Pelo sentir do poeta,
A sua alma se inspira.

Maria da Fonseca


terça-feira, 4 de outubro de 2011

Idílio de Antero de Quental



Antero de Quental
(1842-1891)
      

IDÍLIO

Quando nós vamos ambos, de mãos dadas,
Colher nos vales lírios e boninas,
E galgamos dum fôlego as colinas
Dos rocios da noite inda orvalhadas:



Ou, vendo o mar, das ermas cumeadas,
Contemplamos as nuvens vespertinas
Que parecem fantásticas ruínas
Ao longe, no horizonte, amontoadas:



Quantas vezes, de súbito, emudeces!
Não sei que luz no teu olhar flutua;
Sinto tremer-te a mão, e empalideces...



O vento e o mar murmuram orações,
E a poesia das cousas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.


Antero de Quental

sábado, 1 de outubro de 2011

Outono em Flor


 

As árvores a florir,
Rosas a desabrochar,
Os pombos no seu derriço,
É o Outono a reinar?!


Mais parece a Primavera,
Este tempo abençoado.
Mês de Outubro, o calendário
Decerto que está errado!


Só à tarde, o Sol se esconde
Mais cedo que o habitual,
Mas a noite ainda está quente
Como na estação estival.


E preguiçosa a manhã,
Atrasada se levanta.
Para não ser acordada,
Nem um passarinho canta.


O Sol nasce muito esperto
A nimbar o cortinado.
Vivamos o nosso amor,
Meu companheiro adorado!

Maria da Fonseca